Cliente preferencial, você um dia vai ser um!
Dores vinham e iam, não sabia mais o que fazer, carteirinha do plano de saúde vencida, e… fazer um exame particular, nem pensar! Bom, então fui ao atendimento mais usado no Brasil “SUS – Sistema Único de Saúde”. Fui até a unidade mais próxima, e chegando lá, havia uma fila de muitos idosos. Entrei na fila e logo olhares fixavam em meu rosto, me senti um verdadeiro intruso. Um atendente passou e perguntou – “o que o Sr. gostaria?” Eu gostaria de marcar uma consulta médica para realizar um exame. Meu amigo – disse ela- essa fila é para atendimento preferencial com mais de 60 anos, dizia ela. Aonde está a minha fila então? –“Todas as senhas acabaram, só amanhã agora” – respondeu ela!
No dia seguinte, acordei bem cedo e deparei-me com a mesma situação. Só havia uma fila – será que já tinham terminado as senhas? Então fui até o guichê de informações, e novamente olhares me fitavam. Depois de 20 minutos na fila, um odor muito forte foi direto em minha narina, nossa o leite talhou… Era minha vez, e fui logo perguntando: onde eu pego a senha? –“ A senha para o senhor é direto com o porteiro, o que se encontra próximo à roleta, aqui é atendimento preferencial”. Então fui até o senhor da roleta, peguei a senha e meu número era 26. Vai ser rápido – pensei! Depois o porteiro completou: “ quinto andar, meu senhor, mas vá pela escada, o elevador é para atendimento preferencial”. Fui até a escadaria e pronto: um congestionamento de clientes preferenciais. Foi uma batalha, pois a escadaria era estreita e ficava difícil para ultrapassá-los, e fui subindo lance a lance da escada e às vezes aquele cheiro vinha fortemente… que horror! Por Deus do céu, quase desmaie no último lance, e já sem fôlego passei por uma dolorosa prova. Passei pela porta de incêndio e…que alívio, ar puro!!!
Quando voltei ao meu estado normal, me deparei com saguão enorme… tinha capacidade para mais de mil pessoas, com vários guichês, TVs de tela plana, cadeiras de sobra, computadores novos, tudo de bom! Quanta modernidade (pensei), o cidadão reclama demais. Sentei-me e fiquei aguardando de olho TV aonde os números iam pipocando rapidamente. Olhei para o senhor ao meu lado e vi a senha dele 357, e não queria estar na pele dele! Minutos iam se passando, o salão lotando cada vez mais e já contaminado pelo ambiente com odor fétido, dava minhas cochiladas, como meus colegas. Depois de duas horas, minhas hemorróidas já estavam afloradas, e não agüentava mais a dormência nas nádegas. Então resolvi perguntar a uma atendente: – Por favor, já estou aqui há duas horas e o número da senha é 26, não sei se comi moscas (e como tinha moscas naquele lugar, também pudera, com aquele maldito cheiro) ou se existe alguma coisa errada, pois já estão chamando no número 281, é isso mesmo? – “O guichê não preferencial abre em trinta minutos”, respondeu ela. Voltando ao saguão, minha cadeira já estava ocupada. No canto do salão, em pé, perto de uma coluna, eu ali aguardava a minha vez. De repente um pingo de cuspe foi direto ao meu rosto “PTM!” e surgiu um cliente bem na minha frente me pedindo uma informação. A todo o momento pessoas me perguntavam mais e mais informações. Aquele maldito cheiro novamente me perseguia, mas ficou insuportável e resolvi dar uma volta no salão. Não estava entendendo mais nada, tudo aquilo… Olho para frente e tudo se explica, o meu uniforme era da mesma cor da atendente, de cor azul. Além de não ser um cliente preferencial, agora me tornara mais um funcionário para dar informação. Passaram-se os trintas minutos e o guichê abriu, já estava na hora! Dez, vinte, quarenta minutos e duas horas depois enfim foi chamado. OPA! Não estava acreditando o que via em meu guichê, uma operadora que mais parecia um cliente preferencial, do que uma atendente!
Ela me perguntou: – “Em que eu posso ajudar, meu rapazinho? Pelo “rapazinho” á pude perceber a idade operadora!- Eu gostaria de marcar uma consulta com um clinico, para realizar um exame. A dificuldade de digitação da minha atendente era grande, as pontas dos dedos eram curvas e a pontaria era precária devido talvez à artrose, e assim ia digitando vagarosamente, dedo a dedo no teclado. Depois de 15 minutos me entregou uma guia me dizendo: -“ favor conferir e depois, dirija-se ao guichê de marcação”. Guichê de marcação? Sim! Fiquei duas horas aguardando um papel que constava meus dados pessoais e que por sinal falavam: Algosto de… Opa! Algosto? – Minha senhora, meu nome está errado… não é Algosto e sim Augusto! –“ Como”? Interrogou ela. Percebendo que a atendente preferencial tinha dificuldade para escutar, eu repeti bem alto: – o nome que a senhora preencheu está errado, é A U G U S T O! –“ Um minutinho meu filho, eu já vou corrigir” – disse ela. Tecla dali, tecla dela, digita senha, tira os óculos, põem os óculos e finalmente! –“Rapazinho, eu não sei o que houve, mas eu não estou conseguindo mudar o nome. Espere, eu vou chamar minha supervisora para me ajudar”.
Minutos depois vinham elas juntas como duas comadres. Quando eu percebi, a supervisora era mais velha do que a atendente preferencial. Me Deus, aonde eu fui amarrar aminha égua? Guia corrigida, direcionei-me ao guichê para marcação. O atendente do outro lado do balcão não era preferencial, e sim uma mocinha jovem e muito rápida, que ia despachando rapidamente todos os clientes da fila. Faltavam umas dez pessoas quando uma cliente preferencial chegou perto de mim e perguntou: -“ posso ficar na sua frente meu filho, eu já sou idosa e tenho preferência”. Fitei a senhora, olhei para os meus colegas de fila e pude perceber que tinham umas sessenta pessoas na fila e o único que não era cliente preferencial era eu! Então disse a ela que por mim não teria problema, mas ela deveria perguntar aos seus colegas que estavam atrás de mim, na mesma situação que ela. Coitada, fiquei com pena, mas seus colegas já impacientes gritavam e batiam as bengalas no chão dizendo que lugar de velho era no final da fila, um deles falou tão alto que sua perereca ( nome popular entre os idosos para dentadura) pulou longe… Após esse tumulto, o maldito cheiro voltou, socorro! Alguém pode chamar o SAMU, acho que tem alguém morto aqui! E de repente… –“Próximo”! Eu, já impaciente, fui falando:- gostaria de marcar uma consulta para realizar um exame. – “Augusto um minuto, por favor, minha colega vai me substituir enquanto vou ao banheiro”. Quem me aparece no guichê? A nossa simpática atendente preferencial e sua excelente pontaria. – “Qual é o exame que o rapazinho vai fazer”, perguntou ela. -Colconoscopia, minha senhora. –“Rapazinho, infelizmente não temos esse exame nessa unidade, vamos te encaminhar para outra unidade. Aqui só temos as especialidades: reumatologista, urologista, geriatria, cardiologista, ortopedia especializada em osteoporose, coisas de velho”… Bem alto, ela me perguntou: -“você já fez esse exame”? – Não minha senhora, respondi. –“Não dói nada”, dizia ela! Opa! Não dói nada? Mas minha senhora o que tem de especial nesse exame? Nada meu filho! De repente um “zum zum” e risadinhas na fila e a perereca pulou novamente pra fora. E sem constrangimento nenhum ela falou: eles irão introduzir um tubo, mas não dói, na verdade você não vai nem ver. Opa, opa, opa! Não estou gostando na disso… Um tubo?! Por onde (pensei)? Fiquei imaginando a situação, e o maldito cheiro veio novamente… Vou sugerir distribuição de máscaras…
Tudo praticamente terminado e a senhora me perguntou: -“ que confusão foi aquela na fila meu filho”? – Uma senhora queria preferência, disse eu, mas o pessoal da fila quase a matou! – “Sabe por que eu não me aposentei ainda”, dizia ela. –“Para não ir para o outro lado do balcão”! Depois de seis horas de espera, e sem oxigênio em meus pulmões, desisti! Minhas hemorróidas que se danem!